“Olha pro céu, meu amor
Vê como ele está lindo
Olha pra aquele balão multicor
Como no céu vai sumindo”.
Luiz Gonzaga
Poucas festas no Brasil possuem raízes tão profundas e simbólicas quanto o São João. A celebração, que toma conta do país — especialmente do Nordeste —, não surgiu de forma aleatória. Sua origem está diretamente ligada às tradições religiosas, ritos europeus ancestrais e à força da colonização portuguesa, que moldaram práticas culturais que, ainda hoje, mobilizam milhões de brasileiros.
A história do São João começa bem antes da chegada dos portugueses ao Brasil. Na Europa medieval, especialmente nas regiões católicas, o dia 24 de junho era celebrado como o nascimento de São João Batista, primo de Jesus Cristo. A data tem enorme importância no calendário cristão. Segundo os evangelhos, João foi aquele que preparou o caminho para a vinda de Cristo, pregando o arrependimento e realizando batismos nas águas do rio Jordão.
Por que 24 de junho? A explicação é teológica e simbólica. Segundo o Evangelho de Lucas, Isabel, mãe de João, estava grávida de seis meses quando Maria concebeu Jesus. Assim, se o nascimento de Cristo é comemorado em 25 de dezembro, o de João ocorre exatamente seis meses antes. João Batista é, inclusive, o único santo cristão cuja comemoração litúrgica ocorre no dia do seu nascimento, e não da morte, um sinal de sua grandeza espiritual na tradição católica.
Com a colonização portuguesa, essa tradição chegou ao Brasil no século XVI, inserida no calendário litúrgico como uma das principais festas católicas. Os jesuítas foram agentes fundamentais na disseminação das festas juninas, que além de São João, também celebram Santo Antônio (13 de junho) e São Pedro (29 de junho).
A fogueira: fé e tradição
A fogueira — símbolo central dos festejos juninos — tem raízes na tradição cristã. Segundo a narrativa bíblica, Isabel, mãe de João Batista, acendeu uma fogueira no alto de um monte para avisar sua prima Maria sobre o nascimento do filho. Esse gesto, carregado de significado, foi transformado em ritual nas celebrações religiosas e, com o tempo, incorporado às festas populares.
Mas a fogueira não está sozinha nesse cenário encantado. Ao seu redor, se desenrola um verdadeiro espetáculo de cultura e tradição: as quadrilhas juninas ganham vida, com suas coreografias que simulam casamentos matutos e celebrações comunitárias. As mesas se enchem de comidas típicas, como pamonha, canjica, bolo de milho, pé de moleque e milho assado.
Enquanto a chama aquece a noite, os balões (hoje proibidos por lei, mas antes tradicionais) levavam desejos aos céus. Ao som do forró, do xote e do baião, há os rituais de simpatias e adivinhações amorosas, feitos especialmente pelas mulheres, que buscam saber sobre casamentos, sorte e prosperidade. Tudo isso sob a proteção e o calor da fogueira, que ilumina e mantém viva a fé, a esperança e a tradição.
No Nordeste, a força do São João também está ligada ao calendário agrícola. Junho marca o período das colheitas do milho, da mandioca, do amendoim e de outros produtos essenciais para a subsistência das comunidades. Celebrar os santos juninos é, historicamente, uma forma de agradecer à fartura e pedir bênçãos para as próximas safras: um elo que une fé, trabalho e identidade cultural.
Com o passar dos séculos, o caráter estritamente religioso da festa foi se integrando às expressões populares. As novenas e procissões continuam presentes em muitas cidades, sobretudo nas zonas rurais, mas passaram a conviver com as quadrilhas, os arraiais, os concursos de forró, as apresentações de grupos culturais e grandes shows, que tornaram o São João uma das maiores manifestações culturais do Brasil.
Hoje, o São João é mais do que uma festa. É um fenômeno social, econômico e simbólico que movimenta uma verdadeira indústria de entretenimento no país, gerando emprego, renda, empreendedorismo e retorno financeiro para quem investe nessa época do ano. Os festejos preservam sua matriz religiosa, mas também refletem a capacidade da cultura brasileira de se reinventar, misturando fé, tradição, diversão e resistência cultural.
E a verdade é que, no coração de milhões de brasileiros, essa declaração feita por Luiz Gonzaga ecoa como uma resistência cultural: “Se um dia dividirem o país, só peço pra ficar do lado onde toca forró e tenha São João”, disse um dos maiores representantes do cancioneiro junino do país.